O carro desenvolvido por Karl Benz em 1886 foi o
primeiro a levar motor a combustão interna
Gasolina cara, carros elétricos, regulamentações pesadas. O cenário
do futuro do motor a combustão parece apocalíptico, mas uma olhada para
o passado, o presente e o futuro desse tipo de propulsor revela que não
é a primeira vez em que ele está ameaçado e que ainda há muita estrada
por vir. A história da ascensão e queda do motor a combustão vai ganhar
mais um capítulo: o renascimento.
A era do "quanto mais, melhor"
Em 1886, Karl Benz desenhou e produziu o primeiro veículo concebido
para ser movido por um motor de combustão interna. O princípio era - e
ainda é - simples: uma mistura de ar e combustível entra no bloco e vai
para o cilindro, onde é comprimida e incendiada por uma centelha
produzida pela vela. A explosão empurra o pistão para baixo e os gases
resultantes saem, gerando o movimento que empurra o carro. Ainda hoje, é
assim que a maioria dos veículos se locomove no planeta.
Naquela época, porém, o carro do futuro cofundador da Mercedes-Benz
mal gerava 1 cv de potência com 954 cc de capacidade cúbica. "Por muito
tempo, as montadoras não se preocuparam com eficiência. Quanto maior o
motor, maior a potência", conta Lothar Werninghaus, consultor técnico da
Audi do Brasil. Maior exemplo disso foram os mastodônticos V8 a gasolina
feitos nos EUA entre as décadas de 1950 e 1970: motores 5.0, 6.0 e até
7.0 eram usados normalmente como veículos do dia-a-dia. Carros com
motores de seis cilindros, naqueles tempos, eram modelos de entrada.
Petróleo caro e questão ambiental abriram caminho
para o downsizing
O maior problema de querer resolver a falta de potência com
propulsores maiores é que, na medida em que crescem, consomem mais
combustível e agridem mais o meio ambiente, já que expelem gases nocivos
resultantes da combustão.
Com as sucessivas crises do petróleo desde a década de 1970 e a
preocupação com a questão ambiental, foram desenvolvidos motores menores
e mais eficientes, que podiam produzir tanta força quanto os grandalhões
do passado. É isso que define o conceito de downsizing "Há 20 anos, um
V8 5.0 gerava cerca de 200 cv, hoje, pode-se tirar 520 cv de um V8 4.0",
diz Werninghaus. Não se trata de feitiçaria, é apenas a tecnologia que
evoluiu e permitiu o surgimento de um sistema muito usado atualmente.
Nele, o que vale é ter tanta ou mais potência que um motor grande, só
que gerando menos consumo e emissões a partir de um bloco menor. Para
isso, várias tecnologias são usadas: injeção eletrônica, mais válvulas
por cilindro, injeção direta de combustível e comando variável, por
exemplo.
A maior arma do downsizing, porém, é a sobrealimentação. Num motor
movido a gasolina ou a etanol, o motorista controla apenas a quantidade
de ar que vai se misturar com o combustível. Quanto mais ar entrar, mais
força o propulsor pode gerar. Com o auxílio de turbinas ou compressores
de ar, a quantidade de gases atmosféricos entrando no propulsor é maior.
Basta olhar para o Audi A1 Sport, que consegue desenvolver 185 cv de
potência a partir de um bloco 1.4 graças ao uso desses dois componentes.
Com aspiração natural, um Chevrolet Agile 1.4 pode gerar até 102 cv.
Antigo inimigo, carro elétrico ainda não é viável
O carro movido a eletricidade é quase tão antigo quanto o movido por
motor a combustão. No início do século XX, Ferdinand Porsche já havia
construído o Lohner-Porsche, carro que contava com uma bateria integrada
à estrutura e um motor elétrico em cada roda. Em 1910, os EUA contavam
com nada menos que 15 marcas de carros elétricos.
Se esse tipo de energia é considerado mais limpo e prático que
queimar combustível fóssil de poços subterrâneos, por que essa
tecnologia não foi para frente? Quem responde é Ricardo Bock, professor
do curso de engenharia da FEI: "Naquele tempo, a gasolina era barata e
podia ser comprada até em farmácias, mas eletricidade ainda não era um
item comum na maioria das cidades".
Outro empecilho ainda é o custo, já que a autonomia dos carros
elétricos é limitada e a tecnologia de baterias é cara. Além disso, o
material delas usa metais pesados de difícil descarte do ponto de vista
ambiental.
A matriz energética de um país também pode tornar o carro elétrico em
um ser tão nocivo quanto o veículo a combustão interna: "Não adianta
usar carvão ou usinas nucleares para gerar energia para os carros
elétricos", diz Bock.88
Desafios para o futuro
Apesar de os motores de combustão interna estarem caminhando em
direção ao downsizing, ainda há o que ser melhorado. "Aumentar a
eficiência de um motor o torna mais caro e menos durável. O ciclo de
vida menor acaba gerando também um custo secundário à montadora, que
arca com os gastos de garantia do veículo", relata Bock.
Segundo o professor da FEI, o principal fator que limita o
desenvolvimento de um propulsor a combustão são os materiais empregados:
"um motor eficiente transforma 30% da energia da queima em movimento, o
resto se transforma em calor. Se o bloco puder resistir a uma
temperatura maior, pode-se retirar mais desempenho dele".
Um item que já é desenvolvido pelas montadoras é o desligamento de
parte dos cilindros quando eles não são exigidos. Lothar Werninghaus diz
que "o desafio é fazer um sistema de desligamento parcial que mantenha
as válvulas funcionando, se não, o motor vira um mero compressor de ar".
Um ponto em ambos os especialistas concordam é que o maior desafio
para o futuro do motor de combustão interna, de fato, será o preço do
combustível, seja ele fóssil ou renovável. Bock vai além e diz que "se o
combustível for barato no futuro, toda essa história de carro elétrico
será esquecida". 
Grandalhões, modelos norteamericanos da década
de 1970 tinham motores ineficientes

Audi A1 Sport é um exemplo de downsizing: 1.4 a
gasolina gera 185 cv de potência

Lohner-Porsche já era elétrico no início do século
XX

Fator crucial para o futuro do motor a combustão
interna será o preço do combustível
|