Em meados dos anos 80, meu pai recebeu de herança de um tio um Ford Corcel 1971 quatro portas. Mesmo sendo um carro com mais de 10 anos, ainda era imponente e elegante, pelo menos aos meus olhos de menino.
Tenho boas lembranças desse carro, mas a primeira coisa que volta à mente falando do Corcel é: a cruzeta! Não lembro de outro carro com tantas temporadas na oficina por conta do mesmo componente.
Anos mais tarde entendi do que se tratava. A tal cruzeta era o eixo de transmissão que liga a caixa de câmbio às rodas nos carros de tração dianteira. No Corcel, esse eixo era parecido com o eixo cardan dos veículos de tração traseira.
O eixo com junta cardan, ou junta de Hooke para os ingleses, é uma solução para transmitir rotação entre dois componentes que não estão alinhados. Utiliza para isso eixos com um perfil em “U” na extremidade, acoplados por meio de uma pequena cruz (a junta em si). Vem daí o nome cruzeta. No caso do automóvel com tração dianteira, essa solução passa a ser ainda mais interessante, pois além do eixo do motor/câmbio e o eixo das rodas não estar alinhado, esse “desalinhamento” varia sempre que a roda é esterçada e/ou as molas são comprimidas ou tracionadas. Em resumo, o tempo todo.
Entretanto, a junta cardan tem suas limitações de uso. A primeira é que o ângulo entre os eixos não pode exceder um determinado valor e, a segunda, é que a velocidade entre os eixos varia em função do ângulo entre eles. Quanto maior o ângulo, maior a variação da velocidade de rotação do segundo eixo dentro de cada volta. Para evitar que a roda do carro girasse aos solavancos, a cruzeta do Corcel utilizava um conceito de junta dupla, que minimiza a variação das velocidades entre os eixos, porém isso não poupa a junta em si.
Com rotações que variam, altos torques no arranque, baixos torques em alta rotação e as constantes variações de ângulo entre os eixos, a vida da cruzeta não era nada fácil. Os pequenos rolamentos alocados nas extremidades da junta acabavam por ter sua vida útil bastante reduzida, seja pelo nível de esforço, seja pelo aquecimento gerado. E quando os rolamentos reclamavam… lá ia de novo o nosso Corcel para mais uma visita à oficina.
Comovidos com tanto sofrimento da pobre cruzeta, vários engenheiros tentaram solucionar esse problema, até que em 1933, Alfred Hans Rzeppa, engenheiro mecânico nascido na Polônia e naturalizado americano, aperfeiçoou um conceito de junta com esferas conhecido como junta homocinética (homo=mesma; cinética=velocidade), viabilizando sua produção. Esse sistema é utilizado ainda hoje nos semi-eixos.
A idéia básica da junta homocinética de Rzeppa é que um anel de esferas mantenha-se alinhados entre a pista interna e externa da junta, para qualquer ângulo entre os eixos. Com isso, ele elimina a variação de velocidade entre os eixos ,além de distribuir melhor o esforço entre as esferas.
Hoje, uma variação das juntas homocinéticas conhecida como junta de alta velocidade, equipa carros de tração traseira de alto desempenho. Parabéns Sr. Rzeppa!
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