O “Commendatore” Enzo Ferrari era um homem das pistas. Nunca foi fã da fabricação de carros
de rua, mas percebeu que a aristocracia gostaria de adquirir um esportivo que levasse a emoção
das competições para a garagem dos pilotos de final de semana. Para comemorar os 40 anos da
empresa, os engenheiros da Ferrari trabalharam então num novo modelo que reunisse todas as “
lições” adquiridas ao longo dessas quatro décadas e mantivesse o espírito tradicional de bólido
“puro sangue”, em que a única ferramenta de controle do carro fosse a experiência do piloto.
O resultado foi a mitológica F40, apresentada no Salão de Frankfurt de 1987. Inicialmente a
Ferrari iria vendê-la apenas aos clientes mais fiéis, com produção limitada de 400 unidades ao
preço de 370 mil dólares cada – todas na tradicional cor vermelho Rosso Corsa. Mas os pedidos
foram absurdamente maiores que o estipulado, como aconteceu recentemente com a LaFerrari. O
desejo pela máquina era tamanho que a cotação do modelo “usado” disparava para US$ 1 milhão.
Com linhas exuberantes e traços fortes, esculpidos pelo estúdio Pininfarina, a F40 tinha
faróis escamoteáveis, aerofólio “sarado” e tomadas de ar por toda a carroceria. O novo “
Cavalinno” se diferenciava de qualquer outro esportivo já produzido pela Ferrari, mostrando
todo o espírito das pistas num modelo destinado às ruas.
Montada sobre um chassi tubular, a carroceria era constituída de um composto de fibra de
vidro, carbono e kevlar, material amplamente empregado nos bólidos da F1 e que proporcionava
uma redução de peso impressionante: a F40 era 20% mais leve e 300% mais rígida do que a 288
GTO, até então sinônimo de leveza e desempenho dentro da casa. O novidade pesava 1.100 kg a
seco e cerca de 1.235 kg com os dois tanques de combustível (de 60 litros cada) cheios. Por
sinal, ambos os tanques estavam instalados nas laterais e eram interligados no assoalho,
tornando possível enchê-los de uma só vez por qualquer um dos bocais. Apesar dos 120 litros de
combustível, autonomia não era o forte desta Ferrari.
O grande trunfo da F40 foi trazer um motor menor e mais moderno do que o usado em produtos
anteriores. Instalado longitudinalmente, o propulsor V8 biturbo de 2.9 litros desenvolvia 478
cv de potência a 7.000 rpm e parrudos 58,8 kgfm de torque a 4.000 rpm. O suficiente para
garantir uma relação peso-potencia de 2,58 kg/cv.
Após o motor atingir 3.500 rpm, os dois turbos (com pressão de 1,1 kg) e os dois
intercoolers desenvolvidos pela japonesa IHI entravam em funcionamento, tornando as respostas
da F40 absolutamente brutais. Tanto que as marcas dela impressionam até hoje: aceleração de 0 a
100 km/h em 4,1 segundos, 0 a 200 km/h em 11 segundos e máxima de 324 km/h.
O câmbio de cinco marchas tinha relação bastante curta, revelando a raiz nas competições,
como Enzo acreditava que um verdadeiro esportivo deveria ser. Na suspensão a Ferrari preferiu
não inovar, aplicando um conjunto conhecido: independente com molas helicoidais e amortecedores
hidráulicos nas quatro rodas, com braços triangulares superiores e inferiores na dianteira e
trapezoidais na traseira, além de barras estabilizadoras nos dois eixos.
O sistema de freios contava com discos de aço ventilados, extraídos da experiência na F1,
sem auxilio de ABS e até mesmo do servo-freio que minimiza o esforço do motorista no pedal,
porque reduzia a sensibilidade fina de um piloto nas frenagens. Para completar, a F40 calçava
pneus de medidas próximas às de um carro de competição: Pirelli P Zero 335/35 AR 17 na traseira
e 245/40 AR 17 na dianteira.
Contrastando com a alta tecnologia proveniente das pistas, o interior da F40 era simples ao
extremo. As portas não tinham forração alguma e o mecanismo para abri-las era uma simples
cordinha, que fazia a função de maçaneta. Janelas também eram artigo de luxo. A fera trazia
apenas uma pequena escotilha de acrílico para entrada de ar na cabine. O painel exibia somente
os instrumentos de utilidade primordial, como velocímetro, conta-giros, termômetro de água,
indicador da pressão do turbo, manômetro de óleo e de combustível. O único conforto era um
poderoso sistema de ar-condicionado.
A posição de dirigir retratava o projeto de um carro de corrida para uso “civil”. A F40
vestia o motorista com bancos tipo concha e trazia um volante de 35 milímetros de diâmetro, com
empunhadura de competição. Até para entrar no carro era preciso certo contorcionismo, lembrando
os F1 também nesse aspecto.
A F40 foi produzida até 1992, com um total de 1.100 unidades fabricadas. Dentre essas, a
Fiat do Brasil adquiriu uma unidade em 1990 para expor no Salão do Automóvel. Depois, o modelo
foi manchete nos jornais do país quando o então Presidente da República Fernando Collor de
Mello passeou com ele pelas ruas de Brasília. Atualmente, esta unidade permanece no Brasil nas
mãos de um colecionador.
Como a receita de comemorar o aniversário da marca com um superesportivo deu certo, a
Ferrari seguiu a fórmula: apresentou a F50 em 1995, a Enzo em 2002 e agora a LaFerrari, que
causou impacto semelhante ao da F40 na época dela.
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