O sonho de fabricar um carro 100% nacional é quase tão antigo quanto a indústria
automobilística. Em 1963, Nelson Fernandes registrou a Indústria Brasileira de Automóveis
Presidente, IBAP, época em que a fabricação local tinha pouco mais de seis anos e já contava
com iniciativas idealistas que renderam protótipos como Joagar, Centaurus e Moldex. Seu plano
era produzir um modelo de alto padrão para concorrer com o Simca Chambord, o Aero-Willys e o
FNM JK. Mas isso não bastava. "A idéia era que a IBAP teria um popular como o Fiat 500 e um
utilitário", diz Fernandes. O modelo seria batizado de Democrata, mas a estratégia de
financiamento da empresa resultaria num escândalo sem igual na história do carro nacional.
Dentro do coupé, destaque para o painel feito de
madeira.
Um protótipo foi apresentado para dar credibilidade ao projeto. A inspiração vinha do
Chevrolet Corvair, que fugia dos padrões de Detroit ao adotar motor traseiro refrigerado a ar.
O sedã lembrava muito o Chevrolet, embora com grade na frente e sem o vidro traseiro
envolvente.
A carroceria era de fibra de vidro. Como o empresário admite, o motor,
que era do Corvair, despertou as primeiras suspeitas quanto à idoneidade
do projeto. Não demorou para que, já com o motor V6 italiano de 120 cv
feito para o projeto, cinco protótipos viajassem pelo país, a fim de
atrair compradores de ações da empresa. Além dos dividendos, teriam
prioridade e desconto na compra do carro. O empresário havia usado esse
método na criação do clube de campo Acre Clube e de um edifício do
empreendimento Hospitais Presidente.
Segundo Fernandes, seus 120 funcionários também tinham benefícios,
como título de propriedade da IBAP, participação na diretoria, desconto
na compra do carro e preferência para se tornarem revendedores. Porém,
havia aspectos estranhos no negócio. Em setembro de 1966, QUATRO RODAS
apresentava as conclusões de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que
desde junho de 1965 investigava a IBAP. Com ajuda de um perito do Banco
do Brasil, a CPI considerou que a empresa não tinha contabilidade e
divulgava um preço para o carro - 4 milhões de cruzeiros, 32510 reais em
valores atuais - que não conseguiria cumprir.
Motor V6 de 120 cv foi desenvolvido para o Democrata.
Um galpão de 300000 metros quadrados em São Bernardo do Campo, na
Grande São Paulo, serviria de fábrica do novo automóvel. "O folheto
de publicidade prevê uma produção de 350 carros por dia - a mesma da
Volkswagen do Brasil - a partir de 1968", revelava a matéria, que
investigava os métodos de venda da IBAP e informava que a produção teria
início em março de 1967. QUATRO RODAS apurou que os vendedores diziam
aos investidores que a unidade já funcionava e que o carro havia sido
testado pela revista, o que jamais ocorreu.
Alguns meses antes da produção em série, no local da fábrica havia só
a estrutura de um armazém com menos de dez funcionários. "Uma pré-
série de 500 unidades do motor viria da Itália para, se aprovado, ser
feito aqui", diz Fernandes. "Mas a Polícia Federal apreendeu
um carregamento com ferramental, estampo e moldes como se fosse
contrabando." Ele tentou comprar a estatal Fábrica Nacional de
Motores (FNM), mas o governo vetou a operação. Após uma onda de
manchetes negativas, investidores desistiram das cotas, e a empresa
perdeu fôlego.
Vidro traseiro não seguiu a inspiração do Chevrolet
Corvair.
No fim de 1968 a IBAP fechou. Após mais de duas décadas, Fernandes
foi inocentado da acusação de coleta irregular de poupança popular. Ele
atribui à imprensa - QUATRO RODAS em especial - uma campanha pelo
descrédito ao projeto. Fato é que a experiência de dirigir o belo cupê
ficou quase ficção. Segundo o livro do jornalista Roberto Nasser,
Democrata - O Carro Certo no Tempo Errado, o cupê faria de 0 a 100 km/h
em 10 segundos e atingiria 170 km/h.
O carro que você vê pertence a dois irmãos, o empresário Rogério e o
advogado Roberson Azambuja, de Passo Fundo (RS). A dupla adquiriu o
automóvel há cinco anos e gastou três para deixá-lo com aspecto de novo.
"Toda a estrutura e a fibra foram refeitas, mesmo o carro tendo
passado por um restauro dez anos antes", diz Rogério. Para ajudar a
contar essa história, existe apenas outro Democrata em bom estado, no
Museu do Automóvel de Brasília.
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