O que temos aqui é uma raridade – um míssil terra-terra de 32 anos de
idade que atende pelo nome de Kougar Sports. Anote: o carro pesa pouco
mais de 900 quilos, já incluindo o motor Jaguar de 6 cilindros de 245
cv. Divida o peso pela potência e estamos falando sobre um carro de 3,76
kg/cv. A carroceria do Kougar é de plástico reforçado com fibra de vidro
e o motor é instalado bem recuado para dar ao carro melhor distribuição
de peso sobre os eixos, que está bem próxima dos 50/50.
A suspensão é independente na dianteira e na traseira, esta igual à
do Jaguar S-Type (que, por sua vez, é semelhante à do E-Type mostrado na
C/D 5). Os freios a disco traseiros, portanto, são inboard, ou seja,
estão junto ao diferencial – que está fi xado ao chassi. Depois deles é
que saem os semieixos para as rodas. Isso alivia o peso não suspenso e
torna a suspensão mais leve e eficiente. A suspensão dianteira é da
Kougar e é constituída por um duplo A. E o chassi, também da Kougar, é
tubular. Eis uma bela receita que todos os carros deveriam seguir.
COMPRE E MONTE
Isso basta para descrever os bons
princípios
deste esportivo fabricado na Inglaterra e que pode ser vendido em kit
para ser montado pelo comprador. O modelo, que começou a ser fabricado
pela empresa de restauração de clássicos Crosthwaite & Gardiner, em
East Sussex, Inglaterra, em 1977, foi desenhado por Rick Stevens
inspirando-se no Fraser Nash Le Mans de 1948. A maioria usa a mecânica 6
cilindros do Jaguar S-Type, embora alguns malucos já tenham equipado o
Kougar com o Jaguar 12 cilindros e outros, não menos insanos, com o
Rover V8. Os direitos de fabricação do Kougar foram vendidos e hoje quem
os detém é a Classic Jaguar Racing.
Dou uma boa olhada no carro e... problema: este carro chegou ao
Brasil há poucas semanas e veio com pneus diagonais, bem estreitos, de 6
polegadas. Além do mais, não sabia quantos anos eles tinham, não fazia a
menor ideia do estado do composto e isso me deixava meio cabreiro a
partir da esticada da terceira marcha. Mas com a quarta e última marcha
engatada – e o vento deformando minhas bochechas – uma coragem canina
aparecia não sei de onde e essas circunstâncias constrangedoras eram
logo esquecidas.
Quase esquecidas, para ser honesto: o Kougar não tem portas. Ficamos
expostos nas laterais e sentimos a falta de um pequeno abrigo, ainda que
simbólico. Também não tem santantônio, aqueles arcos que nos salvam a
pele em caso de capotamento. Isto posto, dispensei o cinto de segurança,
pois achava melhor sair voando caso algum pneu estourasse e aquela
máquina resolvesse capotar. Não recomendo a atitude a ninguém –
portanto, não façam isso em casa. Mas, dos males, o menor.
CIO DAS BORBOLETAS
Nunca tomei tanto vento na vida. O pequeno
para-
brisa tipo Brooklands é ineficiente neste carro. Parece que a
aerodinâmica do Kougar, apesar de fluida, é estudada para que todo o ar
se concentre na cara do motorista. Meus óculos Ray-Ban encravavam fundo
na pele. Ao redor dos 120 km/h mal se distingue o som do motor, de tanto
que o vento borbulha nas orelhas – que, a essas alturas, batem feito
asas de borboletas no cio.
As trocas de marcha se faziam pela vibração e não mais pelo som do
motor. E, no meio dessa deliciosa ventania, um flash de memória me fez
lembrar dos problemas no pescoço sofridos por Juan Manoel Fangio: ele
tomou tanto vento na cara pilotando os Fórmula 1 de sua época que ele,
inacreditavelmente, só se livrou das dores após um acidente que o deixou
engessado como uma múmia por meses. Imagine o seguinte: em Pescara,
1952, o Alfetta 158 do argentino passava a 312 km/h nas retas. Haja
pescoço!
PISTA, LEI, PNEUS...
O Kougar é um carro muito estável. Em linha reta, vai feito uma
flecha. A longa frente, o estreito capô com saídas de ar para ventilar o
cofre, as rodas para fora da carroceria, uma aparência que lembra um
monoposto da década de 1950, convida a acelerarmos forte. E ele acelera!
Com a já citada relação peso/potência de 3,76 kg/cv, a força é bruta.
Caso tivesse pneus radiais mais largos, faria o 0 a 100 km/h na faixa
dos 5 a 6 segundos. Eis um carro para atingir mais que 230 km/h com
relativa tranquilidade: tem motor, câmbio e aerodinâmica para isso. O
que nos impediu de conferir foi, pela ordem, pista, lei, pneus e
irresponsabilidade.
Na década de 1970, os sedãs da Jaguar,
como o S-
Type, ainda não eram considerados grandes clássicos, daí que eles davam
sopa a preços em conta. Seu bom conjunto motriz e ótima suspensão
incitavam a que o transformassem num doador de órgãos. O S-Type já anda
muito bem, mesmo pesando 1.700 quilos. O que a Kougar enxergou foi que
se o aliviassem de praticamente metade do peso e lhe dessem uma
carroceria charutinho, ele voaria. Deu certo. Este autêntico roadster
anda muito.
Além da ótima aceleração, o que agrada bastante no Kougar Jaguar é o
conjunto chassi/suspensão. O chassi tubular tipo gaiola foi bem
projetado e é bastante rígido, o que propicia que a suspensão trabalhe
corretamente, já que quando um chassi torce a suspensão perde
eficiência.
Então, apesar do carro estar com pneus diagonais (um jogo de radiais
para calçar as rodas de 16 polegadas estão chegando da Inglaterra para
esquipar este carro) notase a boa estabilidade do conjunto. Tão boa que
lembra o excelente comportamento do Jaguar E-Type.
Em curvas longas e de velocidade alta, terceira e quarta marchas, os
pneus traseiros entortavam e desentortavam fácil e continuamente, o que
fazia a traseira balançar em uma reboladinha inquietante para nos
obrigar a correções no volante. Os radiais sanarão esse incômodo.
Outra coisa que diverte muito quem o dirige é observar a reação das
pessoas ao redor do Kougar. Ninguém entende como é que um carro de
aspecto tão antigo e diferente pode passar lascado e roncando forte
daquele jeito. Uma buzinada, um aceno, um sinal de positivo, vários
sorrisos, algumas poses para foto... O Kougar Sport não agrada só a quem
vai nele: ele alegra a todos. |