Uma volta no raro cupê com motor V8 5.2 que tem uma legião de fãs O raro e impecável Dodge Chager R/T automático “Na infância, o que se ouve ou o que se vê não sobe para o cérebro. Desce para o coração e aí fica escondido”. A frase atribuída ao escritor Humberto de Campos deixa claro que essa é uma fase única na formação das pessoas, pois cria memórias e sensações para o resto da vida. Esse é o caso do advogado Gianfanco Cinelli, que traz algumas delas intimamente relacionadas aos carros e sua relação com eles quando criança. “Meus pais tiveram Dodge. Tenho ótimas recordações de viagens ao interior de São Paulo e ao Guarujá no Dart sedan azul da minha mãe”, disse assim que chegamos à garagem do seu prédio. Bem perto da parede, milimetricamente estacionado na vaga, o Charger R/T mostrava um pedaço da lateral iluminada por um fraco facho de luz.
Atualmente podemos ver que uma parcela dos veículos que roda em grandes capitais como São Paulo é equipada com transmissão automática. Mas há trinta e três anos não era assim. Por esse motivo o carro das fotos também é raro Toda história tem um começo. O colecionador me contou que já tinha outro esportivo. Mas quando viu o exemplar na cor prata cobalto com teto de vinil preto e ar-condicionado foi amor à primeira vista. “Ele tem procedência, com manual do proprietário e teve apenas um dono até 2002”, revela.
Pneus Cooper Cobra e detalhes orginais, como a capota revestida de vinil E tem mais. “Trata-se de um sonho de infância e adolescência. Hoje estou com 35 anos, mas quando fiz 18 anos, em 1992, todos os meus amigos queriam ter um Gol GT, GTS ou um Escort XR3. Eu, contrariando o modismo da época, queria um V8, sendo o meu sonho de consumo o Dodge Charger R/T”, conta. Pois é, contra sonhos não há argumentos. Para situar o leitor, vamos voltar um pouco no tempo. A versão R/T – de Road and Track – chegou por aqui em 1971. Equipada com o motor 318 V8, de 5,2 litros e 215 cv brutos – dez a mais do que o Dart – causou surpresa e despertou suspiros logo de cara.
Interior orginal com a alavanca do câmbio automáticoIsso porque a Chrysler investiu em uma propaganda agressiva, combinada com cores exóticas de carroceria. Um dos principais garotos-propaganda foi o próprio rei Roberto Carlos, em seu filme “Roberto Carlos a 300 km/h”. Quem não viu o longa e tem gasolina nas veias precisa dar uma olhada. O enredo em si não traz uma história inovadora, mas o mecânico Lalo e seu assistente Pedro – interpretado pelo “tremendão” Erasmo Carlos – aceleram o Charger para valer no antigo traçado de Interlagos.
Nos anos seguintes o modelo foi ganhando força e tendo mais sucesso. Seus concorrentes custavam até 20% mais barato, mas o estilo inconfundível e o status ao volante valiam a pena. A imprensa especializada tecia elogios e até mesmo o bicampeão Emerson Fittipaldi ressaltou suas qualidades em um teste.
Faixa central com o logotipo R/T identificam o esportivoDe volta a São Paulo, vale destacar a paixão dos brasileiros pela marca. Durante a conversa de mais de uma hora fiquei sabendo de histórias curiosas como a de um senhor de idade, antigo funcionário da fábrica, que abordou o proprietário em uma oficina mecânica e contou como sua vida esteve relacionada com a empresa.
Uma das coisas mais interessantes em relação ao modelo é justamente a originalidade. O estofamento se mantém perfeito, assim como o aspecto externo. Imagine só mais de três décadas de emoções, alegrias, algumas tristezas e outros sentimentos diversos que fazem parte de sua trajetória.
Repare nas saídas de ar no capôE foi tudo isso junto que senti ao dar uma volta na máquina. O ronco grave dos escapamentos, seguido de uma leve balançada na carroceria, mostrou que ele tem disposição de sobra. Foi só colocar a alavanca de câmbio na posição D e voltar no tempo, com o torque generoso e o funcionamento “redondo”, como se diz entre os apaixonados.
Os quarteirões foram passando e alguns veículos abriram passagem para o esportivo cheio de estilo. Após uma pisadinha de leve o borbulhar do V8 ficou mais alto e ele foi “planando” confortavelmente pela rua. Como em um verdadeiro sonho de infância recheado de boas recordações.
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